Até os ventos mais fortes que amenizam o calor na capital do Rio Grande do Norte nesta época do ano sabem que poucas famílias dominam a política no estado, que sobrenomes se revezam a cada eleição e que velhos conhecidos pulam de cargo em cargo.

Mas os ventos nesta eleição estão soprando em outras direções. Atingidas pela Lava Jato, lideranças locais se viram fragilizadas. A reorganização de forças colocou à frente das pesquisas para o governo estadual uma candidata do PT, algo inédito na história recente.

Fátima Bezerra (esq.) e Gleisi Hoffmann em evento em Natal (RN)
Fátima Bezerra (esq.) e Gleisi Hoffmann em evento em Natal (RN) – Vitorino Junior – 27.jul.2018/Photopress/Agência O Globo

Empunhando a bandeira “Lula livre”, a senadora Fátima Bezerra rivaliza com o atual governador, Robinson Faria (PSD), e com Carlos Eduardo (PDT), que é da oligarquia Alves, mas fez carreira independente e já chegou a ficar rompido com os parentes.

Adversários dela cobram propostas para o estado e a acusam de fiar sua campanha só na defesa do ex-presidente.

“Ela tem pesquisa mostrando que o Lula vence aqui, então é um marketing”, diz Carlos Eduardo, que é primo do senador Garibaldi Alves e do ex-ministro e ex-presidente da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves (ambos do MDB e seus apoiadores).

“Respondo a isso dizendo que nossa candidatura é a que já avançou no debate programático”, afirma Fátima.

O atual governador, que não atendeu aos pedidos de entrevista da Folha, está desgastado pela crise financeira do estado, com salários atrasados –a maior parte dos servidores não recebeu o 13º de 2017.

O reequilíbrio das contas públicas é promessa de campanha dos outros candidatos.

“O estado está sem capacidade nenhuma de investimento”, diz Fátima, de terninho vermelho, durante entrevista na sede estadual do PCdoB, partido de seu vice.

Carlos Eduardo (esq.) e José Agripino em cerimônia em Natal (RN)
Carlos Eduardo (esq.) e José Agripino em cerimônia em Natal (RN) – Vitorino Junior – 26.mai.2018/Photopress

A senadora subiu no palanque de Faria em 2014, mas se retirou do governo em 2015, em meio ao processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Entrou para o anedotário político local o episódio em que o governador se negou a atender uma ligação de Lula quando Dilma estava na mira.

Além de se afastar de Fátima, Faria está rompido com seu vice, Fábio Dantas (PSB), que ensaiou disputar a sucessão estadual. Sem o apoio de sua sigla, Dantas desistiu, mas manteve a temperatura alta.

Ao anunciar a retirada da candidatura, disse que grande parte da classe política ao seu redor “luta para perpetuar as velhas práticas, o tráfico de influência, o uso desmascarado da máquina pública”.

Além dos Alves, os clãs Maia, Rosado e Faria disputam os espaços de poder no estado há pelo menos cinco décadas. É comum que lideranças dessas famílias articulem também a eleição de filhos e cônjuges.

Outra mudança na atmosfera potiguar em 2018 veio com as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público.

Robinson Faria (esq.) e Gilberto Kassab em lançamento de programa oficial em Natal (RN)
Robinson Faria (esq.) e Gilberto Kassab em lançamento de programa oficial em Natal (RN) – Vitorino Junior – 20.fev.2018/Photopress

A começar pelo governador, denunciado no ano passado pela Procuradoria-Geral da República sob suspeita de obstrução de Justiça em uma investigação sobre fraudes na Assembleia Legislativa.

Deputado de 1987 a 2010, ele é alvo de apuração sobre funcionários fantasmas na Casa, mas nega envolvimento.

A Lava Jato, em diferentes graus, pegou políticos como Garibaldi Alves, que tenta se reeleger senador, e Fátima Bezerra. Citados em delações sob suspeita de recebimento ilegal de doações, os dois contestam os relatos. Garibaldi foi denunciado no STF (Supremo Tribunal Federal).

Outro afetado, o senador Agripino Maia (DEM) —com mandato ininterrupto desde 1995— desistiu de concorrer à reeleição. Ele diz que o recuo não tem a ver com o fato de em junho ter virado réu no STF pela segunda vez, ligado a negociações de propina.

“Estou absolutamente tranquilo”, afirma o senador, que tentará ser deputado federal. 

Cacique do MDB no estado, Henrique Alves foi o mais afetado pela onda de escândalos.
Implicado por delatores da Odebrecht, ele ficou na prisão por 12 meses (o último deles na domiciliar) por suspeita de envolvimento em desvios nas obras da Arena das Dunas, o estádio da Copa em Natal. 

Libertado em julho, se dedica à sua defesa e descarta voltar agora à política.

Da porta do Palácio de Despachos se vê a grandiosa arena, que fica no mesmo terreno do centro administrativo estadual. No estacionamento, um circo está montado.


Quem são os principais candidatos

Fátima Bezerra (PT)

Senadora, tem 31% de intenções de voto, segundo pesquisa Ibope (21.jul)
Apoiou o atual governador, com quem rompeu em meio ao processo de impeachment
Campanha ao governo inclui pedido de ‘Lula livre’ 
31%  são as intenções de voto da senadora em pesquisa Ibope de 21 de julho

Carlos Eduardo (PDT)
Renunciou à Prefeitura de Natal para tentar o governo estadual e hoje tem 15% das intenções de voto
É da família Alves, oligarquia política local, mas não utiliza o sobrenome e já foi rompido com familiares
Conta com o apoio do MDB para crescer no interior 
15% dos eleitores declaram que vão votar em Carlos Eduardo

Robinson Faria (PSD)
Atual governador, tem 9% no Ibope. Pesquisa também mostrou que 56% acham sua administração péssima
Tenta contornar crise financeira do estado e melhorar imagem
É pai do deputado federal Fábio Faria (PSD-RN) 
9% das intenções de voto são  para o atual governador do estado


Políticos do RN na Lava Jato

Henrique Eduardo Alves (MDB) – Ex-ministro, ficou preso após delação ligá-lo a desvios na Arena das Dunas

Agripino Maia (DEM) – Réu em dois processos no STF, acusado de intermediar negociações de propina

Garibaldi Alves (MDB) – Foi citado por delatores como destinatário de doações ilegais de campanha

Fátima Bezerra (PT) – Delação revelou doações ilegais a partidos de sua coligação de campanha

OUTRA INVESTIGAÇÃO:
Robinson Faria (PSD) – Governador foi denunciado em caso de funcionários fantasmas na Assembleia

Todos negam as acusações

Por Joelmir Tavares para Folha de São Paulo